Sustentabilidade  09/02/2021 | Por: Pedro Damian

Elaste

Economia Circular. Esta ideia vai pegar.


Sidnei Nasser (CEO da Proquitec), Luiz Emilini Júnior (Diretor e Consultor Técnico da Modulus Consultoria e Treinamentos) e Roberta Pinheiro (diretora e fundadora da startup Boas Atitudes e Sustentabilidade, e criadora do aplicativo Descarte Rápido), palestrantes da Elaste 2020, respondem, na entrevista desta edição de Borracha Atual, questões sobre os temas das palestras (Reciclagem da Borracha Vulcanizada, Economia Circular e Therpol). Os executivos forneceram um rico conteúdo para interessados e profissionais relacionados aos assuntos. Confiram!

O incentivo à reciclagem bate de frente com a indústria do lixo, uma indústria muito sensível para municípios e estados?

LUIZ EMILIANI – Não. A lei fala em reciclagem. Lixo descartado não entraria aí. No final, fica em nossas mãos a mudança do que temos hoje e garantir a sustentabilidade para amanhã, porque o amanhã é assustador. É melhor começar agora.

Roberta, como a economia circular engloba a logística em um país tão amplo como o Brasil?

ROBERTA PINHEIRO – A logística em si já existe. O que acontece é falta de informação. Por exemplo, existem algumas empresas que já fazem logística reversa, já tem o processo em si, mas não estão bem informadas da localização, de como funciona realmente. Mesmo fazendo busca na internet, como podemos descartar, por exemplo, um medicamento ou um pneu. Esses processos logísticos já existem, só não estão totalmente informados em um local só. Precisa estudar a empresa, ver se ela não tem logística reversa, para estar implementando, estudar o processo que ela trabalha. É muito prático isso, porque na verdade há nas regiões das empresas diversas cooperativas e existe bastante emprego. Isso gera bastante oportunidade de trabalho, crescimento de novas empresas, um trabalho bem simples de se fazer. Basta ter vontade.

Como a sua startup poderia ajudar nesse processo?

ROBERTA – Precisamos estudar a empresa, qual o processo de logística reversa que ela precisa fazer, montamos um projeto, um cronograma. Acreditamos que o consumidor final é a chave da logística reversa. A partir do momento que divulgamos aonde são esses pontos para se descartar algum resíduo, o consumidor irá até lá. Viemos de uma cultura em que não se valorizam os resíduos, no entanto, por causa também da pandemia, os consumidores estão mais exigentes, estão mais preocupados com o meio ambiente. Querem fazer mais pelo meio ambiente de forma prática. A partir do momento em que se consegue dividir essa responsabilidade, que é compartilhada com o consumidor, ele vai se sentir mais satisfeito por estar fazendo isso. Claro que não será no primeiro ou segundo dia que os coletores estarão cheios de resíduos, mas acreditamos firmemente que os consumidores irão se deslocar até o local para descartar os resíduos que precisam ser descartados.

SIDNEI – Conheci a Roberta pelo Linkedin e estamos com vários projetos juntos em empresas grandes, trabalhando a economia circular com esse aplicativo. Nesse período lançamos na Proquitec o projeto Escola-Empresa de Sustentabilidade, com alunos de cinco a quinze anos. Imaginem o que eles não fazem na tela. Eles são os atores principais. A nossa ideia foi abordar a água. O primeiro desafio foi a frase de sustentabilidade da água. Em uma semana tivemos 45 mil votos e ganhou a frase “O Nosso Futuro Depende da Água e o Futuro da Água Depende de Nós”. Por que falo isso? O aplicativo Descarte Rápido é fantástico. As empresas têm que ter um mínimo de visão e tirarem o marketing de papel para a realidade, adotando o Descarte Rápido, que é uma forma muito fácil de descartar... Só que essa cultura tem que começar na criança. Então estamos levando já o Descarte Rápido – deixando claro que não temos nenhuma participação nele – para as crianças, pois são as crianças que rapidinho irão querer ir para o lugar e descartar. Fica aqui a ideia para quem estiver lendo, de fazer os filhos acessarem e fazê-los descartar. A semente que precisa ser trabalhada é a criança de cinco anos.  

Sidnei, você acha que o Nobel de Química vem para o Brasil com o Therpol?

SIDNEI – Normalmente, o que acontece? A ideia do Therpol é simples. Fomos eleitos pela ERJ (European Rubber Journal) uma das 20 maiores invenções do mercado da borracha. Tiveram dez finalistas, mas não ficamos entre eles. O editor me ligou para dizer que eles não haviam entendido o que era. Há duas semanas pediram uma nova apresentação. E eles falaram que realmente não entenderam, porque como é que pode um produto de borracha natural ser injetado em máquina de plástico? Não existe... Mas nós não estamos preocupados com isso. Em Querétaro, no México, ano passado, nas Jornadas, depois que nós apresentamos o Therpol, que não era 10% do que é hoje, tinha pouquíssimos casos, muito mais na borracha. Terminado o evento, o pessoal veio tirar fotos porque iriam ficar famosos no futuro. Enviaram uma mensagem dizendo que estávamos deixando o mundo melhor do que encontramos. Eu guardei a mensagem no WhatsApp. Então, onde queremos chegar? Em uma conscientização de que depende de nós mudar de atitude. E é uma tecnologia disruptiva. Totalmente. 

Nessa linha, sabemos que todo novo produto precisa de desenvolvimento cultural e a aceitação da sociedade, sem esquecer a parte econômica. Pensando grande: o Therpol pode tornar a indústria brasileira mais competitiva no setor em que ele atua?

SIDNEI – Vou citar um exemplo. Uma peça injetada em Therpol vai no final das contas ter um ganho de custo total de 20% a 25%, com uma prensada. Claro, o Therpol não serve para tudo, é um termoplástico. Ele é feito para peças que são trabalhadas a temperatura ambiente. O trabalho dela é na temperatura ambiente quando falamos em substituir o vulcanizado. Testes feitos em moldes a 70oC não foram aprovados. Desde o início ressaltamos que o trabalho precisava ser feito em temperaturas ambiente. Estamos evoluindo com algumas modificações para chegar em 70oC, o que abriria um campo muito grande nos casos citados da borracha micro porosa e do perfil de EPDM, que está entrando como um aditivo da borracha. Na micro porosa é 70% SBR 1502, 20% Therpol e a diferença, resina estirênica. Vulcanizado, só que invertendo completamente o conceito. Saímos do enxofre e fomos para o peróxido. Eu era frontalmente contra fazer expandido em SBR com peróxido. Mas com essa combinação ficou muito estável. 

Na Proquitec, estamos aprendendo a ser disruptivos. O que valia ontem não vale hoje, e eu falo para o pessoal: se vemos um negócio hoje que amanhã será diferente, mudamos. Este conceito precisa estar na cabeça também do borracheiro. 

Você acredita que os borracheiros estão aprendendo?

SIDNEI – Alguns sim, mas tem muita gente para semear isso. É sempre assim: quem está usando? Olha o vizinho...

A pandemia e a falta de matéria-prima podem contribuir para acelerar o uso do Therpol? 

SIDNEI –  No plástico está ocorrendo muito isso. No plástico a expansão do Therpol está violenta pela falta de matéria-prima e o pessoal está pegando o que tem, só que sem propriedade. É muito mais fácil para o “plastiqueiro”, que já tem os equipamentos. O borracheiro tem que trocar a prensa por injetora de plástico. Então, sabemos das dificuldades. Existem dificuldades e não tem incentivo. Não podemos jogar todo o ônus dessa transformação no empresário, porque ele está sobrevivendo. Como é que você vai falar em mudança para o borracheiro no meio de uma pandemia em que as vendas caíram em março, abril, maio, junho em 70%, 80%? Quantos não fecharam? É sobrevivência. Primeiro você tem que ter oxigênio para depois poder tomar água. Não adianta tomar água sem oxigênio. 

Quantas vezes um produto com Therpol pode ser reciclado?

SIDNEI – Há duas formas de se usar o Therpol. A primeira é usando-o puro, que é o caso do solado e de uma autopeça. Nestes casos podemos reinjetar dez vezes que as propriedades serão preservadas, principalmente medindo 24 horas depois. Por quê? O Therpol tem uma quantidade boa de borracha natural e ele não tem nenhuma cura. Então,  tudo lá está termoformado. Quando reinjetamos a borracha natural depois de 24 horas, estará toda enrugada. 

LUIZ – A borracha natural tem o que chamamos de alto “greenstrength”, dando para entender que ela retorna àquela força natural que ela tem. Mesmo não estando vulcanizada. 
SIDNEI – Então é isso o que fizemos. Medimos depois de 10 vezes, 10 injeções e o resultado foi muito similar. Agora vamos falar dele como aditivo. Por exemplo: 10% no PP (polipropileno). Ele recupera as propriedades do PP e o deixa melhor que o virgem. Com apenas 10%. Utilizando-se um PP reciclado e usando de  10% a 15% de Therpol, as propriedades mecânicas desse PP vão ser melhores que o PP virgem. E aí poderá ser  reciclado mais vezes. Todo o nosso pensamento é manter mais tempo o artigo rodando.

Como o “Descarte Rápido“ entra nisso? Onde o produto será encontrado? Como será seu retorno?

SIDNEI – Estamos com uma marca muito conhecida de artigos esportivos no mundo, com sede nos Estados Unidos. E já levamos a apresentação do Descarte Rápido para eles justamente para a logística reversa. 

ROBERTA – A intenção do aplicativo é menos resíduos, tanto em aterro como em lixões. Infelizmente o Brasil ainda tem 3 mil lixões a céu aberto. É muito triste isso, mas é real. O aplicativo viabiliza a logística reversa. Como funciona? Exemplo: embalagens de xampu. Como a indústria pode reutilizar essa embalagem novamente para fazer novos produtos? Serão instalados coletores em um supermercado. Esse supermercado será acrescentado no aplicativo como um ponto de descarte para xampus. Ou de repente, podemos colocar a marca específica. Produtos X vão ser direcionados para aquele supermercado. Neste caso, aquele coletor do supermercado vai ter aquelas embalagens, aquele coletor será direcionado para uma cooperativa, será feita a separação dos tipos de plástico, direcionado depois para outras fases até chegar aos novos produtos para aquela marca utilizar. Então ela não precisará usar aquela matéria-prima virgem lá atrás. 

Quem coordenará tudo isso?

ROBERTA – O “Boas Atitudes” está por trás disso. Temos muito cuidado com cada ponto cadastrado,  porque não adianta existir uma base de informações em um aplicativo, em um site, se ele não é realmente atualizado. Então queremos informar para o consumidor que aquele supermercado tem aquele coletor, tem horário de funcionamento, o contato, o logo do supermercado... Existe também todo um marketing por trás, valorizando o que o supermercado está fazendo. Valorizando o processo de logística reversa que aquela indústria está fazendo. É um caminho que tem começo, meio e não tem fim. É um caminho sem volta. O caminho da sustentabilidade tem muitas vantagens e precisamos usar as ideias. Não existem problemas. Tudo tem uma solução. O que não pode é ter resíduos recicláveis em aterro. Isso é muito triste.

Existe uma legislação que prevê o fim dos lixões, feita há cinco anos, mas isso vem sendo protelado por várias razões...

ROBERTA – Exatamente. Os lixões são proibidos desde a década de 1950,  se não me engano... mas sabemos que não é fácil. O Brasil é um país grande. Percebemos que vários políticos têm interesses, incentivam a fazer, como ecopontos. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem 105 ecopontos. Será que todo mundo sabe deles? Há regiões no Nordeste que não tem um só ecoponto cadastrado no aplicativo. Nem no aplicativo e nem em nenhum lugar. Quanto a remédios, há uma legislação de logística reversa de medicamentos. Estamos na Vila Mariana. Se tiver 50 farmácias, não serão as 50 farmácias que irão receber o coletor dos remédios vencidos. Serão apenas 4 ou 5 farmácias. 

Deveriam ser todas...

ROBERTA –  Exato! Devido ao tamanho da população da região. Precisamos informar quais as unidades que irão receber esses medicamentos, porque senão o consumidor vai andar na rua com uma sacolinha, olhar para 20 farmácias que não aceitam, vai se irritar e vai jogar em qualquer lugar...

O setor de pneus tem um programa muito interessante de reciclagem que é o Reciclanip, que consegue reciclar quase a totalidade dos pneus. Há uma legislação que obriga essa reciclagem e sua maior dificuldade é a coleta dos pneus. 

ROBERTA – É o que eu falei no início. Na verdade, a indústria fabrica os seus produtos com a intenção de vender. Quando ela vende, é como se o produto morresse na mão do consumidor. E uma hora acaba, o tênis acaba, a sandália e o pneu. Para onde vamos descartar? Em um borracheiro? E o que ele faz? Então precisamos informar o consumidor. Essa é uma responsabilidade compartilhada por todos. Desde o produtor, o importador, incluindo o consumidor. Acreditamos que quando informamos o consumidor sobre onde ele vai descartar os seus resíduos, você está dividindo com ele, na prática, essa responsabilidade. Ele se sente mais seguro. É um mar de oportunidades. 

Os profissionais da borracha estão treinados para a logística reversa? 

LUIZ –  Não tem ninguém. Vou falar de artefatos leves. O fabricante de artefato leve não tem interesse, não tem motivação... Aquilo tudo vira lixo. O que é feito agora é que você tem que pagar para jogar no aterro. “Ah! Eu descarto direitinho.” Sim, mas joga na terra, não em Marte. Continua aqui com a gente. Esse é o problema. Não existe evolução sem mudança. Precisa mudar primeiro a cabeça da gente. Conheço todos os problemas dos empresários. Eles passaram meses sem faturar e vão falar de ecologia... Se for falar em mudar eles concordam, falando que vão mudar de país... porque não aguentam mais. Precisa mudar desde lá em cima até embaixo. Toda a linha tem que estar motivada e falar. Assim vamos perder menos...

A Chuveirada...

LUIZ – ...perder menos e começar a pensar. Trabalho com três elastômeros... separar por elastômero é a primeira coisa. Isso facilitaria muito! Não vejo dificuldade técnica, apesar de não termos a desvulcanização. Na Proquitec fizemos um trabalho de moagem de neoprene, de poliacrílica e de Viton. Fizemos por moagem criogênica, colocando de 15% a 20% do composto virgem e não se perdeu nada! E pergunte se alguém faz. “Ah... tem que comprar o moinho”, “está no custo, está no preço” e fica assim. A história nesse aspecto é bem triste. 
ROBERTA – Eu compreendo também a posição dos empresários. Só que eles têm que olhar pelo lado estratégico. Você não está gastando, não é um custo, é um investimento. Tanto que as empresas que não investirem de forma sustentável vão ficar ultrapassadas. É uma leva que vem vindo da Europa, Estados Unidos e é um caminho sem volta. E precisa ser feito. Onde tem problema, temos que ver oportunidades.

Num futuro próximo, as barreiras não serão taxas, mas baseadas em questões  ambientais. Quem não preservar o meio ambiente será excluído do processo de compra ou exportação. Esse é o mote que os países desenvolvidos usarão contra quem não tiver tecnologia ou programas de economia circular?

ROBERTA – Exatamente. E não adianta a indústria, a empresa fazer um processo mais ou menos de logística reversa ou de sustentabilidade. Precisa ser algo transparente. 

SIDNEI – Não adianta ter o “me engana que eu gosto”. 

ROBERTA –  Principalmente porque os consumidores estão mais exigentes. Eles querem saber como é produzido e aonde é descartado. Não existirá o jogar fora...

Considerações finais.

ROBERTA – Eu só queria agradecer a oportunidade. É muito importante o apoio às inovações, ter na mente os pensamentos de que tudo conseguimos resolver e é preciso encontrar soluções para os problemas. 

LUIZ – Não existe evolução sem mudança. O mais importante é mudarmos a nossa forma de pensar. Com criatividade, com conhecimento técnico, damos jeito em qualquer coisa. Mas temos que olhar de um modo diferente. E mudar uma cultura não é fácil. Estou pensando nos borracheiros que vêm com aquela cultura, e eu falo que aquilo é um investimento e ele vai ter que entrar nessa cultura. É um caminho sem volta, pois os tempos são outros. Queria agradecer o convite e dizer que é um prazer enorme estar aqui.

SIDNEI – Agradeço o tempo de vocês. Vou fazer uma analogia com esporte. No basquete, um técnico das antigas falava que não existe cesta de 20 pontos. Se você está perdendo, faz de dois, pega o rebote, de vez em quando arrisca cesta de 3, mas é um longo caminho para recuperar 20 pontos. Essa é nossa missão. É a mesma coisa na maratona, 42 quilômetros, é quilômetro por quilômetro. Não adianta pensar que você está no 42, senão você desiste. O que você precisa fazer? Continuar. Gostaria de parabenizar pela ideia, pelo incentivo e agradecer a todos pela paciência.

Entrevista realizada durante a Elaste 2020 e transmitida via Webinar em nossos canais.