Economia  27/11/2023 | Por: Redação

Indústria química

Déficit em produtos químicos em 2023 será o segundo maior da história

Importações impulsionadas por preços predatórios de origens asiáticas levam ao menor volume de produção nacional dos últimos 30 anos


No acumulado do ano, até outubro, as importações de produtos químicos somaram US$ 52 bilhões e as exportações chegaram a praticamente US$ 12,1 bilhões, resultando em um saldo comercial negativo de US$ 39,9 bilhões. Para o consolidado de 2023, as projeções indicam que o déficit em produtos químicos deverá atingir os US$ 47 bilhões, no contexto de importações impulsionadas por preços predatórios de origens asiáticas e que resultaram no menor patamar em termos de volume de produção nacional dos últimos 30 anos, com uma ociosidade média de 35% da capacidade instalada da indústria química no Brasil.

Em termos de quantidades físicas, foram registrados, até outubro, expressivos aumentos nos volumes de importações de plastificantes (79,1%), de resinas termoplásticas (16,7%), de produtos petroquímicos básicos (12,6%), de intermediários químicos para detergentes (6,5%), entre outros produtos químicos diversos para uso industrial (12,8%), realizadas a preços predatórios, em média 22,9% inferiores àqueles do mesmo período do ano passado, e que estão desequilibrando o mercado interno e ameaçando fabricações nacionais de produtos estratégicos para várias cadeias de agregação de valor no País. 

As exportações, por sua vez, em números absolutos muito menores, tiveram, até outubro, uma queda de 11,3% em quantidades físicas, computando 11,7 milhões de toneladas, no contexto do crescente deslocamento de produtos brasileiros nos principais parceiros comerciais, em razão da ocupação desses mercados por produtos asiáticos com competitividade artificialmente sustentada em insumos (gás natural e energia) e matérias-primas russas adquiridos por tais países com preços favorecidos em razão da guerra no leste europeu, e pela intensificação das dificuldades conjunturais econômicas e cambiais da Argentina, individualmente principal mercado de destino dos produtos químicos brasileiros.

Para a Diretora de Economia e Estatística da Abiquim, Fátima Giovanna Coviello Ferreira, os resultados da balança comercial em produtos químicos são alarmantes, além de serem indiscutíveis as evidências de que o Brasil precisa urgentemente de políticas de alto impacto e que permitam, no curto prazo, reduzir a vulnerabilidade em cadeias estratégicas sensíveis às oscilações da conjuntura internacional e, de uma maneira sustentada, criar valor agregado às riquezas naturais e às vantagens comparativas de que o Brasil dispõe. 

“A recente decisão do Governo sobre o retorno das alíquotas de importação de químicos ao patamar padrão da Tarifa Externa Comum foi um primeiro e indispensável passo para o reestabelecimento das reais condições de competitividade da indústria nacional, e consequentemente, aumentar a participação da indústria no PIB. Complementarmente, a Abiquim segue firmemente advogando por outras medidas fundamentais e urgentes como a efetivação de uma Lista de Elevações Transitórias à Tarifa Externa Comum do Mercosul, que contemple os produtos químicos que mais sofreram com surtos de importações predatórias, e a construção de uma política para o uso do gás natural como matéria-prima”, destaca a diretora da Abiquim. 

Volumes de produtos químicos caem ao menor patamar dos últimos 30 anos

Em setembro de 2023, os principais índices de desempenho do segmento de produtos químicos de uso industrial (Abiquim-FIPE) registraram resultados negativos, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, confirmando a desaceleração que vem sendo observada nos últimos meses: produção (-3,12%) e vendas internas (-4,42%). No que diz respeito à demanda interna (+11,6%) e ao volume importado (+20,4%), ambos cresceram em relação ao mesmo mês do ano anterior.

O indicador de utilização da capacidade instalada ficou em 65% no mês de setembro de 2023, um ponto abaixo do registrado em igual mês do ano passado. Os preços nominais do segmento de produtos químicos de uso industrial, medidos pelo IGP (Abiquim-FIPE), subiram 2,99% em setembro de 2023, na comparação com o mês anterior, após cinco meses consecutivos de deflações, entretanto, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, os preços nominais exibem forte recuo (-29,09%).

O desempenho de setembro de 2023, ainda que positivo em relação ao mês anterior do mesmo ano - índice de produção subiu 11,65%; a demanda interna, medida pelo consumo aparente nacional (CAN), aumentou 18,1%; e as vendas internas cresceram 0,65% - não conseguiu reverter os resultados negativos de julho e agosto; com isso, na média do 3º trimestre de 2023, na comparação com igual trimestre do ano passado, os resultados foram os seguintes: índice de produção -12,19%, índice de vendas internas -8,0% e CAN -3,2%. Por outro lado, as importações dos produtos amostrados no RAC tiveram alta de 2,2% entre os meses de julho e setembro, sobre igual período de 2022.

Segundo Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de Economia e Estatística da Abiquim, cabe um destaque à trajetória da curva de participação das importações sobre a demanda, que havia recuado de 48% no 3º trimestre de 2022 para 42% no 1º trimestre de 2023, mas voltou ao patamar de 45% no 2º trimestre deste ano e expressivos 50% no 3º trimestre de 2023, recorde para essa comparação. Ela afirma que a desaceleração dos volumes de produção e de vendas internas trazem preocupação ao setor, em especial, porque tradicionalmente, para os produtos químicos de uso industrial, que estão na base de diversas outras cadeias industriais, os meses de julho a outubro são os melhores do ano, em razão das encomendas de Natal e do período de verão. “Vale acrescentar que o setor se ressentiu com os efeitos do apagão de energia elétrica, ocorrido no dia 15 de agosto de 2023, que atingiu quase todos os estados do país, com impacto nos diferentes grupos de produtos químicos, e que está preocupado com os apagões mais recentes, ainda não refletidos nos resultados, e que estão ocorrendo em razão do forte aumento da demanda de energia no sistema, por conta das temperaturas recordes”, completa Coviello.

Com relação ao acumulado de janeiro a setembro de 2023, os resultados também são preocupantes, conforme aponta a tabela acima. Como reflexo, segundo dados divulgados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a arrecadação das receitas federais, excetuando-se as previdenciárias, da Fabricação de Produtos Químicos foi de R$ 20,74 bilhões entre janeiro e setembro de 2023, valor 22,43% inferior ao montante acumulado no mesmo período de 2022, quando a arrecadação federal do setor havia sido de R$ 26,74 bilhões – ou seja, um recuo de R$ 6 bilhões.

De acordo com a diretora da Abiquim, é importante pontuar que a economia mundial passa por um momento delicado, conturbado e de forte instabilidade, sobretudo em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia, cenário agravado recentemente pelo ataque terrorista em Israel. “Os preços dos energéticos (óleo, gás e eletricidade), que subiram muito em meados do ano passado, não retornaram aos níveis pré-crise russa, mas já ensejam novas altas em razão dos acontecimentos mais recentes.”

Por outro lado, Coviello ressalta que a demanda agregada mundial está estagnada e os países estão, cada um à sua maneira, buscando alternativas ao suprimento de gás e óleo que antes eram oriundos da Rússia. “Alguns tem aproveitado a transição energética para criar oportunidades de políticas agressivas de estímulo às suas indústrias, outros adotam restrições e barreiras à entrada de importações, visando proteger o seu mercado doméstico e outros, ainda, como o Brasil, sofrem com importações desleais de países da Ásia (que não aplicaram embargos às exportações da Rússia, fechando negócios vantajosos em termos de compra de óleo e de gás)”, completa.

O Brasil, continua Coviello, a exemplo do que os outros países estão fazendo e enquanto não consegue resolver alguns problemas estruturais, especialmente no tocante ao gás, precisa buscar mecanismos de defesa comercial para não deixar o parque industrial atual se desestruturar e até mesmo fechar. “A Abiquim vem dialogando com o governo federal e levando sugestões de medidas sobre diversas agendas urgentes, como a da regulamentação do REIQ, a implementação de uma lista transitória de elevação das alíquotas do imposto de importação de alguns produtos químicos mais afetados por importações asiáticas e a construção de uma política para o uso do gás natural como matéria-prima.”

Apesar do cenário atual crítico, a Abiquim tem pontuado que a solução dessas questões pode reverter o cenário e atrair investimentos no sentido de tornar o Brasil menos vulnerável em cadeias estratégicas, diminuir a elevada dependência por importações e criar valor agregado às riquezas naturais e às vantagens comparativas de que o Brasil dispõe. “Ao final, esses investimentos criarão empregos, ajudarão a adicionar valor ao PIB e melhorarão a arrecadação do governo, além de impulsionar o crescimento da própria indústria química e de todas as demais que dependem da química em suas bases de produção”, finaliza a diretora.