Entrevistas  20/04/2023 | Por: Pedro Damian

Entrevista

Marcos Carpeggiani

Presidente do Sindibor


Em abril, o Sindibor – Sindicato das Indústrias de Artefatos de Borracha e Reforma de Pneus no Estado de São Paulo – completa 90 anos de atividade. Para falar sobre estas nove décadas apoiando o setor de borracha no estado, Marcos Antonio Carpeggiani, presidente do Sindibor, recebeu Borracha Atual na sede da entidade, em São Paulo. A seguir, uma conversa extensa, em que, além da data comemorativa, vários outros temas foram abordados com profundidade, como atuação sindical, os benefícios que a entidade traz para o associado, situação do mercado de borracha e as expectativas para este e os próximos anos.

BORRACHA ATUAL: Neste ano o Sindibor completa 90 anos. Pode nos contar sobre sua origem e finalidade?

MARCOS CARPEGGIANI: O Sindibor foi estabelecido no dia 24 de abril de 1933 na rua Quintino Bocaiúva. Naturalmente, todo o começo da atividade sindical, que não era muito bem regulamentada pela constituição na época, se fazia através de interesses de relação para regulamentar a relação entre o interesse das empresas e o governo, principalmente, e também com a sociedade e com as entidades laborais da época. 

Foi importante esse movimento de criação do sindicato para cuidar das tratativas dos interesses dos empresários na época. Eles se reuniam de uma forma muito simplória, porque na verdade não havia nada regimental. Não havia sede, normalmente as reuniões eram feitas em mesas de restaurantes, em que se discutiam as primeiras ideias de como se confeccionar um sindicato. Participaram 33 empresários do ramo de artefatos de borracha, que representavam grande participação no Brasil.

Na época se fabricavam aqui vários artefatos no intuito de reproduzir aquilo que entrava através de importação, para fazer substituição e também para abastecer o mercado interno, principalmente com alguns artefatos que eram de uso comum, como a base de sapatos, carcaça de baterias e pentes. Hoje não estão mais circulando por aí, mas eram muito usados na época.

Então, no início, os artefatos de borracha não eram direcionados à indústria automobilística e sim para uso pessoal?

Sim, mais de uso pessoal que da indústria automotiva, que também tinha a sua demanda já em um processo muito galopante. Era 1933 e já tínhamos automóveis importados aqui. Havia peças de reposição, estava iniciando a fabricação de pneus no Brasil.... Mencionamos que esses encontros aconteciam antes da própria regulamentação da instituição, que aconteceu no dia 24 de abril. Essas reuniões começaram em 1931. Havia muita dificuldade para fazer as tratativas em separado, eram feitas de modo desorganizado. Tinha que se criar um sindicato para fazer essa organização.

Os trabalhadores já eram sindicalizados?

O que havia eram organizações que mais para a frente seriam conhecidas como sindicatos. As reivindicações da classe trabalhadora já existiam. As regimentações para sindicatos, tanto para a classe laboral como para a patronal vieram em 1943/1944, quando foi possível oficializar através da constituição a titularidade de um laboral ou do patronal. Antes disso, havia na primeira constituição do Brasil a formatação do que deveriam ser movimentos pacíficos. As tratativas deviam ocorrer de modo organizado, pacífico, mas não havia uma ordenação constituída em termos de ter um presidente de sindicato, diretores. Isso se traduziu em estatuto registrado em cartório, fundamentado, com sede própria.

Tudo começou com uma idéia de organização para defender os interesses da indústria aqui no Brasil, que passava por tremendas dificuldades de ter isso regimentado, discutido e organizado. Por isso, se reuniu um grupo de pessoas. Um problema individual passou a ser coletivo, de uma maneira que fosse possível dialogar com o governo, com a sociedade e com os trabalhadores.

“Com o gestor profissional conseguimos não só mudar a prática, mas a cabeça do mercado.”

A organização do Sindibor ajudou a controlar a entrada de material importado no Brasil?

Sim. O Brasil tinha uma grande dependência de produtos importados na época. Havia uma falta de abastecimento no mercado. Por isso, a indústria nacional nasceu para abastecer o mercado local. Mas existia também muita dependência dos materiais que vinham dos equipamentos importados (máquinas, automóveis). 

O Brasil era muito dependente – e não saiu muito da situação que vivemos hoje, de gerar muitos insumos básicos de matéria-prima e de não ter manufatura. Daí a necessidade de se organizar a manufatura e com muito material importado inicialmente. Isso se traduz em uma nacionalização de produtos para o abastecimento do mercado interno.

Essa prerrogativa foi sustentada até os dias de hoje. É muito evidente a atuação do Sindibor no campo da defesa comercial. Não é uma atuação contra o produto importado, mas sim pela busca de uma concorrência leal. Muitas vezes isso não é exercido como se deve e o Sindibor (e mais tarde com o surgimento da Abiarb que tem uma figura nacional) passa a atuar nessa temática de uma forma bastante consistente.

A atuação do Sindibor é regional?

Sim. Só atende o estado de São Paulo. Já a Abiarb tem uma atuação federativa.

A prerrogativa sindical, do jeito que está estabelecida hoje, abrange regiões com exclusividade, a chamada unicidade sindical. Então, se há o estabelecimento de uma representação sindical, seja dos trabalhadores ou da indústria, não pode haver outra representação sindical. No caso do Sindibor abrange o estado de São Paulo. 

Em 2014, o Ministério do Trabalho reconheceu ao Sindibor também a representação da atividade de reforma de pneus. O registro sindical dando ao Sindibor a exclusividade de representação no estado de São Paulo aconteceu em sua origem, em 1933.  

A reforma de pneus foi incorporada desde que surgiu por uma escolha do próprio mercado pela representação do Sindibor, mas a formalização disso só aconteceu em 2014. O Sindibor requisitou a representação ao Ministério do Trabalho muito antes, mas é um processo que leva décadas e só aconteceu em 2014.

Então já estamos falando em evolução do Sindibor? 

Sim. Colocamos um histórico da evolução, desde as tratativas iniciais em 1931, a consolidação em 1933, ali por 1943 tivemos o primeiro decanato e aí veio o estabelecimento da primeira sede (porque antes disso as reuniões eram feitas em mesas de restaurante), que se instalou junto à FIESP. Então a FIESP abrigou o Sindibor de 1943 até o estabelecimento da sede própria aqui. Quando a FIESP mudou de local em 1979, o Sindibor mudou em conjunto com a FIESP. De 1979 a 1998 o Sindibor ficava no prédio da FIESP na Paulista. Só em 1998 mudamos para a sede própria.

Foi um processo de onde você não tinha sede, as reuniões eram agendadas para locais distintos, depois estabelecemos essa união com a FIESP – não é que aconteceu uma separação, mas havia a necessidade de se ter uma sede própria, estabelecida em 1988. Aí em 2014 adicionamos a atividade de reforma de pneus. 

Podemos afirmar que houve uma maturidade do sindicato, do próprio empresariado paulista em se organizar e se preparar melhor para enfrentar as adversidades, seja de mercado, tributária ou política? 

Essa é uma consolidação que vem através do que prezamos que é a própria missão que estabelecemos para o Sindibor, que é justamente representar e defender os direitos e interesses da indústria de artefatos e de reforma de pneus em São Paulo. Então as iniciativas são dedicadas ao crescimento, sustentabilidade, inovação e competitividade do setor. Reunimos as forças através de comissões e conseguimos aqui, dentro da própria sede, através dos recursos que temos aqui, já no ambiente que temos hoje, fazer reuniões remotas com propósitos comuns, com todas as comissões que montamos ao longo dos tempos, com diversos propósitos, desde assuntos tributários à questão da inovação e ao tratamento em relação à gestão de pessoas. É uma série de comissões que tratam de problemas comuns. 

É uma entidade voltada para interesse destes fins, de indústria de artefatos de borracha e reforma de pneus. Claro que outros assuntos são tratados, mas genericamente. Reforma tributária? O Brasil todo precisa de reforma tributária. Não é só o estado de São Paulo, é a federação. Aí somos representados pela força da FIESP e pela CNI, Confederação Nacional da Indústria, que congrega as demais. Assim, deixamos de discutir problemas que são comuns à unidade federativa, tratamos no âmbito de outras federações porque é um problema comum. Se não juntarmos forças... imagine se o Sindibor vai promover uma reforma tributária para o estado de São Paulo ou para a federação... vai ter pouca força! Mas se juntar à FIESP para representar o estado de São Paulo, a sua força vai ser muito maior. Aqui canalizamos os assuntos relativos ao próprio setor. 

Quando citamos FIESP e CNI, poucas pessoas sabem que a FIESP é um sindicato e a CNI também. Definida pela legislação do trabalho, a FIESP é uma entidade sindical de grau superior, assim como a CNI. Elas trabalham com uma matéria-prima produzida no sindicato. Os mesmos fóruns que sustentamos aqui são os mesmos fóruns sustentados pela FIESP e ali eles reúnem a opinião consolidada de cada setor representado por um sindicato. E a mesma coisa a CNI com as federações. A FIESP é a união dos sindicatos da categoria industrial e a Confederação é a união das federações da categoria industrial. 

“...poucas pessoas sabem que a FIESP é um sindicato e a CNI também.”

Isso não fica bem claro na mídia...

Isso é algo que tem que ficar bem definido nos estatutos e suas finalidades. É muito importante que as pessoas leiam mais a respeito dos assuntos e entendam o funcionamento da entidade. 
Hoje há muitas notícias circulando nas mídias que são realmente fake news. Muitas pessoas colocam coisas que seriam verdades ou mentiras sem terem conhecimento de causa do funcionamento de entidades, do governo, da sociedade. Temos projetos de lei hoje tramitando e gente reclamando que ninguém faz nada... É muito difícil distinguir essas situações e ter que entender... A mídia muitas vezes tem questionado o funcionamento do que já está estabelecido. O Sindibor não pode ser chamado de sindicato de gaveta. O Sindibor é um sindicato efetivo, com organização, missão, métrica, indicadores e atuação. Nós temos um propósito.

As organizações são compostas de pessoas com necessidade de terem objetivos, propósitos. As pessoas que vêm trabalhar no Sindibor tem papéis. Temos uma composição estatutária onde há o presidente estatutário e o presidente executivo, que é o profissional que vem aqui gerir os negócios do dia a dia. O que é diferente do processo que era comum do sindicato. Os estatutários fazerem o executivo. Na verdade, quando o laboral procurava, procurava o presidente estatutário para discutir as questões operacionais. Hoje não, hoje temos um advogado, um presidente executivo que vai tratar desses assuntos e leva para a diretoria, ou seja, para o diretor-presidente, diretor vice-presidente e demais diretores esses temas que foram tratados com o executivo.

Isso ocorreu ao longo do tempo ou esse estatuto já existia desde o início?

Resolvemos fazer essa mudança pela questão do risco que o presidente estatutário assume como executivo porque é natural que o laboral vá fazer greve e o presidente estatutário, se ele for o executivo, agir. 

Em 2017 houve uma reforma nos estatutos sociais com a incorporação da profissionalização da gestão, criou-se a figura do gestor profissional e a partir daí conseguimos não só mudar a prática, mas a cabeça do mercado com o qual o Sindibor se relaciona, deixando claro que existe um porta-voz, uma forma de relacionamento que preserva a imagem de seus representados. Um detalhe importante: para assuntos de ordem setorial, a diretoria naturalmente é consultada, consoante com uma deliberação oficial de assembléia. Sem essa deliberação de assembléia, nenhum par, independente de compor ou não diretoria, tem alçada, autonomia para determinar qualquer ação da organização. Estas assembléias são oficialmente convocadas para todo segmento participar e falar pela entidade.

Com o aperfeiçoamento da organização pode-se dizer que o Sindibor está mais atuante que no passado?

Esse tipo de reconhecimento tem que ser feito pelo associado nas atividades reportadas nas assembléias. Inclusive nós temos um roadmap aonde fazemos um “compliance” de governança. Essa mudança citada em 2017 culminou no estabelecimento de metas, visando a missão, como vamos vencer, como vamos atuar. É parte da resposta da pergunta. Se formos remontar a modelos anteriores, podemos dizer que o Sindibor está muito mais profissional, muito mais voltado ao associado em termos de profissionalismo no tratamento. Você tem uma entrada, você tem uma demanda, essa demanda é considerada interesse, ele tem um tratamento, ele vai para os âmbitos de tratativas executivas, seja ela governamental através de ex-tarifários, seja um problema laboral, seja um problema de regulamentação normativa de trabalho, tudo isso é discutido em forma muito profissional com profissionais. Temos um presidente executivo, advogado, temos área financeira atuante aqui, assessorias, então temos representatividade para toda a empresa que entrar e estará bem definida aqui para defender interesses. Agora, se no passado era feito da mesma forma, com certeza não temos registros dessa forma operante. O que podemos dizer é que, a partir de 2017, quando alteramos o estatuto e definimos papéis mais claros, inclusive com a diretoria estatutária, onde você tem conselhos fiscais atuantes, você tem diretor financeiro e tesoureiro atuante, assinando balanço, lendo extrato bancário, vendo saldo, com papéis bem definidos, digo que hoje sim, os papéis estão mais claros.

No passado por uma questão estatutária, por uma questão de obrigação, fazia-se uma eleição e convocava pessoas para ocupar cargos e não executar atividades. O que fizemos de 2017 para cá foi essa segregação de papéis. Para que isso ocorresse, desenhamos o roadmap muito claro de como vencer os problemas, de como trabalhar. O que focamos bastante aqui é experiência em time, que é traduzir nossa cultura em valores e atitudes, e quando vamos a associados e afiliados, lá está: “prover experiências satisfatórias”.

Então, hoje é muito importante remontar à época do início, das dificuldades. Como você venceu os problemas? Que solução você colocou dentro da empresa? Como você aplicou inovação? Que recurso você aplicou? Você usou Rota 2030? Você usou Lei do Bem?  Você usou um serviço do SENAI? O que você fez?

Essas questões de prover experiências satisfatórias muitas vezes vêm da troca e reunião que era simplesmente feita lá em 1933 quando se falava que tinha dificuldade. Então, hoje muitas empresas se isolam nessa situação e não procuram o sindicato para trocar experiências satisfatórias. Experiências de meritocracia, experiências de soluções para tratativas de NR’s complicadas que temos, ou questões de aproveitamento de créditos fiscais. 

Hoje temos comissões que foram montadas a fim de focar em problemas. Quando for passar o problema, tem o âmbito da reforma tributária... e enquanto não vier a reforma tributária? O que aflige o setor? E a situação tributária, o IPI? O que nós podemos fazer? Isso se traduz em um movimento muito mais profissional focado nos problemas da indústria de artefatos de borracha.

“Temos uma das melhores negociações coletivas do estado de São Paulo. Para não dizer do Brasil.”

O Sindibor é uma entidade moderna hoje ou tem o que melhorar ainda?

Sempre tem espaço para melhorar, mas diria que o Sindibor ganhou uma alavancagem de modernidade exemplar. Nos ofendemos muito quando somos chamados de “sindicato de gaveta”. As nossas práticas operacionais se transformam em procedimentos, instruções e documentos, e hoje são referências para outros sindicatos. Talvez seja a primeira vez que você tenha a oportunidade de ver um roadmap dentro de um sindicato. Com objetivos, metas, papéis definidos claramente, isso se transpõe aqui para dentro em vários outros documentos que para cada área tem um objetivo, tem métricas, os KPI (“Key Performance Indicators”) que vão indicar as performances em cada parte, da área financeira. 

Aqui tivemos um agravante que foi a reforma trabalhista, que quando veio tirou uma das principais contribuições que tínhamos para a sustentabilidade do sindicato. Tivemos que remodelar com a reforma trabalhista toda a operação do sindicato em termos de arrecadação e sobrevivência.

“As nossas práticas operacionais se transformam em procedimentos, instruções e documentos, e hoje são referências para outros sindicatos.”

O sindicato quase foi inviabilizado?

Sim. Tivemos que reconstruir muitas coisas. Hoje, tem alguma coisa para melhorar? Sempre tem. Mas a melhoria que ocorreu de 2017 para cá foi substancial e ela é referência. Temos que colocar nossa participação de PIB, representatividade. 

O Sindibor não é um Sindipeças, não é um sindicato gigante, como é o sindicato do plástico, nós temos uma limitação no número de associados e participação. A estrutura é de acordo com a arrecadação que tem. Diria que pela pouca estrutura e pelo número de funcionários que tem aqui dentro, somos um gigante. Digo que o pessoal daqui é herói.

Quando você está em uma situação estatutária, quando precisa falar com o presidente, como ele é só estatutário, está tocando sua empresa. Normalmente ele teria que estar livre para tratar daquele assunto demorado, moroso. É complicado ter uma boa gestão fazendo dois papéis. Hoje não, os papéis são bem focados e conseguimos dar bastante vazão.

Podemos afirmar que uma empresa só tem a ganhar filiando-se ao Sindibor?

Convido inclusive as empresas a participarem efetivamente dos processos das comissões, das trocas de experiências, das dificuldades. O Sindibor está sempre aberto para ouvir, contribuir e defender os interesses. Muitas vezes a cereja do bolo do Sindibor ganhou um ritual que diria que é difícil de ser removido. 

Qual é a razão principal de um associado se filiar ao Sindibor? Se remontar às épocas de 1933 para cá o que se destaca de longe é a nossa negociação coletiva. Nossa negociação coletiva é a cereja do bolo porque contempla algumas negociações com o laboral que, diferentemente dos outros setores, favorece muito o nosso setor, em termos de cláusulas negociáveis. Temos uma das melhores negociações coletivas do estado de São Paulo. Para não dizer do Brasil.

Muitas vezes o pessoal se esquece que estamos aqui não só pra isso. Estamos aqui para fazer outras atividades, no campo da inovação, da tributação, das relações humanas, que é a gestão de pessoas... os ex-tarifários, a defesa comercial contra os importados...

“Temos que deixar de tomar medidas populistas para tomar medidas mais técnicas de médio e longo prazos.”

Trabalho não falta...

Sim, mas o pessoal ainda se foca no seguinte: Por quê você se filiou ao Sindibor? Por causa da negociação coletiva. Temos aqui algo que realmente é muito importante para nós, mas se esquecem dos outros papéis. Mas eu convido todos a participarem, porque é bom.

2017 foi o ano em que começa uma transformação mais pronunciada aqui no Sindibor. Foi quando também foi instituída a última reforma trabalhista, que instituiu a figura do negociado prevalecer sobre o legislado, e com essa condição que passa a existir a partir dessa reforma, o Sindibor conseguiu modernizar a convenção coletiva de uma forma adequada e justa para os trabalhadores e para as empresas, permitindo uma flexibilização que não existiu desde a primeira negociação coletiva. Essa reforma permitiu que fizéssemos grandes movimentações. Agora, essas movimentações se dão quando a gente fala que é bom para a empresa se filiar? Naturalmente. Mas ela tem que ter o entendimento que a participação dela em conquistas coletivas são as maiores vitórias que ela poderá ter em uma organização representativa, a associação ao sindicato. 

Obviamente existem muitos benefícios dentro da organização que são entregues aos filiados e associados diretamente. Mas a participação coletiva é imprescindível para que a gente consiga representar o setor nas decisões que as federações e confederações farão. Nota-se que, tanto no período pré-eleitoral para a presidência da república como no pós-eleitoral, a FIESP tem um protagonismo bastante relevante no país, sabatinando os candidatos e depois discutindo os temas de relevância nacional com, por exemplo, os ministros que compõe cada pasta do governo. Já passaram dois ministros só esse ano pela FIESP e é provável que todos visitem a casa para ouvir os sindicatos. Pois são os sindicatos que constroem essa pauta da FIESP e a FIESP assim demanda os ministérios.

Como se constitui a pauta do sindicato? Com a voz do empresário. Este é o caminho. Um detalhe: quando falamos sobre a evolução do sindicato, é muito importante reconhecermos o passado por todos os seus feitos e compreender que nós tivemos muitas mudanças de comportamento e necessidade. As necessidades e condições do passado permitiam que se entregassem resultados de acordo com a época. Por exemplo, a digitalização nos dias de hoje, o caminho que se percorre para poder gerenciar as atividades de uma organização sindical é diferente daquele do passado. Naturalmente, tudo isso pode existir porque na história tivemos antecessores que construíram uma identidade sólida. O Sindibor é reconhecido como um dos maiores sindicatos da indústria no Brasil. Não somos gigantes como poucos, pouquíssimos, mas estamos ali perto do que é chamado “Big 5”. Isso é bastante importante.

“O Sindibor é reconhecido como um dos maiores sindicatos da indústria no Brasil. Não somos gigantes como poucos, pouquíssimos, mas estamos ali perto do que é chamado “Big 5”.”

O Sindibor soube acompanhar a evolução tecnológica e as necessidades do mercado?

Não é a questão de focar na sua atividade, nos seus objetivos. De que modo você contribuiu para que os processos evoluam? O Sindibor não promove a reforma tributária. Ele contribui com a sua comissão tributária, que é composta de associados para discutir aspectos em andamento, e daí ela deriva com a opinião do Sindibor formada, através dessa comissão, para participar de uma comissão maior, que é da FIESP, que vai compor um documento como esse, que é o alinhamento tributário. É isso o que o estado de São Paulo deseja. E nossa contribuição está aqui, representada.

Por isso convidamos muito para deixar de se apresentar como associado indiferente, que diz: “olha, para mim está bom o que acontecer”. Mas qual a sua opinião? A questão de como você junta PIS e CONFINS... O governo coloca 12, e seu número é 8,7 ou 8%... vai concordar com 12? Não. Você tem que ter voz ativa. Falar que indústria de borracha fez um cálculo com seus contadores e falou que o número é 8. Não aceito 12. Você tem que saber discutir um pouco mais amplamente dentro de sua própria indústria, seja a contabilidade terceirizada ou não, a tributação, aquilo que te interessa.

É necessário conhecer melhor o seu próprio negócio?

Sim. Por isso é muito importante que essas comissões sejam muito ativas.

Dentro da própria indústria – vamos chamar de FIESP, a nossa entidade representativa – a reforma tributária não é necessariamente a mesma para todos os segmentos. É muito perigoso quando os empresários de uma categoria venham a pensar que como a FIESP já pacificou uma decisão, ela bem atenderá. Porque é possível que ali tenha prevalecido um grupo presente e que definirá com uma voz a ser emanada para o governo, em termos de pleito, que na verdade é ruim para ele. Essa soma de opiniões depende de onde essa empresa está encaixada na cadeia; a reforma tributária ideal modifica completamente, sem dizer também o porte daquela empresa, se é simples ou lucro real. 

Diria que é um contrassenso, infelizmente não no Sindibor, mas no mercado inteiro no Brasil e não sei se no mundo, de que as menores empresas são as que menos participam destas organizações e é compreensível pela falta de mão de obra. O próprio dono desempenha múltiplas funções na empresa, mas essencialmente é quem mais precisaria dar voz, pois muitas das reivindicações que acontecem, por exemplo, na área trabalhista, as empresas grandes já praticam. Aquele pleito nem afetaria no caso de uma grande empresa concedesse aquela reivindicação tornando-a compulsória, uma coisa importante. A convenção coletiva, ainda que a empresa não participe, é um instrumento compulsório, de cumprimento obrigatório para todo o setor. A não representação dessa pequena empresa pode causar um grave prejuízo em relação ao que é melhor para ela. 

Nós temos no histórico do Sindibor uma consciência muito grande das empresas de maior porte sobre essa necessidade da sobrevivência de todo o mercado e isso é bastante levado em consideração nas negociações, de uma forma que até hoje a opinião do micro e do pequeno foi majoritariamente preservada. Mas não é uma obrigação. Essa realidade, se ela mudar, é totalmente legítima, porque a empresa grande também deve se fazer presente. Os pequenos não podem contar eternamente com essa voz. Eles precisam estar mais presentes. 

Como a indústria de borracha está inserida na economia brasileira? 

Ela é extremamente essencial no mercado brasileiro. Participa da vida das pessoas, dos negócios, intensivamente. No dia a dia você depende plenamente da borracha. Desde o calçado de seu sapato, pneu do seu carro, as questões de geração de energia, os fios e cabos de transmissão (embaixo no mar há os cabos subterrâneos), você vai para o espaço, tem componentes de borracha. A borracha está inserida em nossa vida. É natural que a inserção dos produtos de borracha na vida e na economia é algo que você tem que tomar cuidado com carinho, porque a falta de borracha, dos artefatos de borracha pode afetar o desempenho da vida humana. A borracha está aí para criar conforto. Muitas vezes você não percebe que ela participa de sua vida. A borracha está em amortecimento, em absorção de vibrações. Na questão dos terremotos, muitos prédios não caíram porque têm isolantes de borracha, como acontece no Japão. 

Desde que foi descoberta, a borracha tem sido tratada com o fim de auxílio para a vida humana. Ela participa intensivamente da economia. Não podemos viver sem borracha. Se faltar borracha no mercado, você não anda, não tem mobilidade urbana, há uma série de equipamentos que a usam, por exemplo, quando você abre um aparelho médico-hospitalar, ultrassom, ressonância, os catéteres, o silicone. 

A borracha não tem uma participação expressiva no PIB, é diminuta, mas sua importância para a vida humana não é diminuta.

Acabamos de sair da pandemia, e os produtos como catéteres e luvas cirúrgicas foram altamente estratégicos no combate à pandemia. Eles são classificados pelo governo como produtos de defesa nacional. A não produção interna de alguns itens coloca a segurança nacional em risco.

Luvas cirúrgicas. O número de aplicações é imenso e muitas vezes as pessoas não percebem que a borracha está presente em determinados produtos. Em uma vedação que está embutida dentro do automóvel, a vedação de um xarope ou de um remédio, na seringa de aplicação medicinal, na agricultura onde você tem sistema de irrigação, sistema de geração de energia solar com borracha, nas hélices de geração de energia eólica temos componentes de borracha para absorver vibração. Diria que a falta de borracha impediria o funcionamento regular da vida humana. 
Uma curiosidade. Em veículos de passeio, o que você tem em peso, dos pneus, em volume de borracha, você tem em artefatos de borracha (fazendo uma aritmética, média simples) – para se ter uma idéia de um dos segmentos que mais demanda borracha. Um artefato de borracha representa em peso a mesma quantidade que um pneu representa. 

A indústria brasileira de borracha é competitiva? Como ela se apresenta frente aos materiais importados similares?

Temos alguns dados que nos permitem refletir sobre a realidade de que realmente a participação do produto importado vem crescendo. Hoje há um número crescente de artefatos importados entrando no mercado brasileiro.

“Diria que a falta de borracha impediria o funcionamento regular da vida humana.”

Por que isso acontece? 

Por questões diversas. Como mencionamos anteriormente, muitas vezes a borracha é integrante de componentes. Às vezes ela está dentro do equipamento. Mencionei o equipamento de ressonância, onde há vários artefatos de borracha inseridos. Mesma coisa com automóveis, montados em CKD, e a peça de borracha já está lá dentro.  Um dos pontos agravantes é que a tecnologia ajudou muito a tirar o diferencial da manufatura. A questão da manufatura barata do Brasil, pela mão de obra barata, foi tirada pela questão da produtividade. A indústria 4.0 se estabeleceu e hoje a mão de obra, que era tida como cara na Europa e nos EUA, foi diminuída na diferença da produtividade. Vou dar um exemplo de um molde de quatro cavidades aqui e quatro cavidades na Europa. De repente na Europa eles estão com uma carga de cem cavidades, e nós estamos com quatro cavidades. A tecnologia aplicada aos meios de produção, esses ganhos tecnológicos, fizeram com que a diferença do preço da mão de obra fosse removida, e a competitividade do pessoal de lá aumentou bastante. Esse é um dos fatores.

Outros fatores vêm da não fabricação de algumas matérias-primas das quais o Brasil não é auto-suficiente, como algumas borrachas especiais, elastômero, silicone, policloropreno, neoprene, butil, todas as borrachas não são produzidas no país, são produzidas lá fora e temos que trazê-las para dentro para usar em nossa manufatura para competir com a manufatura externa, que é muito mais competitiva que a nossa. Nesses campos perdemos muito nos últimos anos. Aonde somos competitivos no Brasil? Em grande parte naquilo que produzimos internamente em componentes feitos à base de borracha natural, borrachas sintéticas (SBR, polibutadieno). Nós temos aqui negro de fumo, óleos. Nesses itens onde o setor tem produção local, nós somos competitivos. A indústria se adaptou bem. Tanto é que o segmento pneumático é competitivo, exporta... Mas aonde você tem uma tecnologia maior, nós perdemos bastante competitividade sim. 

A competição vem principalmente da Ásia ou a Europa e América ainda são competitivas?

Na questão de tecnologia estamos inseridos em um mundo bastante diferenciado na questão de entrada, principal origem. Claro que existe uma diferenciação de interesses por políticas, principalmente por políticas focadas na geração de empregos –  a gente sabe que a indústria paga bem, a mão de obra é bem remunerada na indústria na comparação com setores de serviços e agricultura. Entre esses três setores, a indústria é a que melhor paga. Porém, temos que competir com outros países que já enxergaram que a indústria é importante. E fortaleceram, através de políticas, a exportação de produtos industriais. E aí temos o caso da China, que muitas vezes subsidia o produto industrializado para mandar para o Brasil. Nós temos como principal origem os produtos chineses. Isso para nós é um fator bastante impeditivo, porque temos que falar na questão da isonomia, condições iguais. E muitas vezes essas condições iguais trazem muito prejuízo para nós. 

Esse é um problema inerente ao setor de artefatos de borracha ou é um problema do Brasil?

Perdemos para a China não só na manufatura de borracha. Há alguns indicadores que nos levam à essa conclusão, como a queda ano a ano da participação das indústria de manufatura do Brasil no PIB. Temos que resolver o problema brasileiro, que é o sistema de maior tributação, e ter uma política industrial bem formada aqui. Temos que resolver o problema conjuntural para nos tornar competitivos para melhorar.

Para isso, já neste governo, em 2023, fomos convidados a explicar as nossas dores. E quais são as nossas dores? Temos uma dor genérica, que é a de interesses comum, que é a reforma tributária, a melhoria dos processos administrativos para exportação – ainda temos muita dificuldade na geração de documentos de origem, o processo é muito moroso e custoso para você realizar, leva-se um número grande de horas para executar a exportação -, além do problema básico da tributação.

“Só conseguiremos reduzir o custo Brasil se atingirmos a reforma administrativa.”

As reformas tributária e fiscal são necessidades urgentes?

Absolutas! Citamos aqui alguns itens importantes que reivindicamos e enviamos ao governo.  Quais são as dores do setor de artefatos de borracha? Nossas exportações estão caindo e as importações estão aumentando. Em 2021 tivemos o cruzamento das linhas, onde passamos 52% do domínio para 48% de produção nacional. Esse é um retrato do que vem ocorrendo não só com a indústria de artefatos de borracha, e sim com toda a indústria de manufatura em geral. O Brasil perde competitividade. 

E qual é a reivindicação do Sindibor junto ao governo para melhorar isso? 

Zerar a alíquota de imposto de importação de insumos básicos utilizados pela indústria que não possuem similares de fabricação nacional. Hoje não tem justificativa pagar 14% de imposto de importação sobre um produto que não é manufaturado no Brasil. Você não vai prejudicar ninguém aqui no Brasil, mas você está pagando 14%. Não faz sentido. Então estamos pedindo isso como atuação imediata, sem prejuízo a outras indústrias aqui no Brasil.

Em relação à indústria automotiva, o que estamos pedindo é algo praticado para BK e BIT, que é ganho de capital em máquinas e equipamentos e bens de informática e telecomunicação e que também é aplicado em autopeças. As montadoras possuem um regime, instituído pelo governo, chamado regime de autopeças não-produzidas. É uma lista em que a montadora solicita ao governo a possibilidade de importar aquela autopeça pronta com imposto zero de importação porque ela apresenta características de que ou aquele item não é fabricado no Brasil ou é e não atende a necessidade dela, e assim zera-se esse imposto. 

Naquele momento imediato ela ganha competitividade, mas a longevidade desta decisão impossibilita qualquer chance da indústria de artefato de borracha produzir aquele item. Ela está competindo com zero de imposto. Ela nunca vai sair da não-produção para produzir, a não ser que ela tenha um tratamento isonômico e condições de produzir. Em muitas situações o governo trata a consequência e não a causa.

E aí falamos de recalibrar a forma coerente de vários instrumentos de política – exoneração efetiva das exportações, respeitar os princípios da escalada tarifária – e daí também pedir o avanço da desgravação das tarifas do imposto de exportação, o que é prejudicial para nós.  Não adianta você começar a fazer essa desgravação ou querer fazer a redução de uma forma genérica para ver o que é que vai dar para depois você querer consertar o problema. A questão é mais difícil.  Então nós temos o problema genérico, que é a reforma tributária, o mais grave e que afeta a todos, mas temos também problemas específicos que poderiam auxiliar o setor.

O papel do Sindibor é ajudar na confecção junto à FIESP para estabelecer o que o Estado quer, porque nós temos condições de impostos estaduais e federais. Muitas vezes recorremos ao estado para soluções de tributações estaduais e da questão de aplicação de prazos de pagamento para os tributos, refinanciamento dos principais impostos estaduais – nem vou entrar no mérito do ICMS – e nós temos a tributação federal. Nós precisamos de uma reforma tributária completa para auxiliar na exportação. E ter uma política industrial para reverter essa queda. Definir aonde você quer chegar, em quanto tempo quer chegar, e traçar o seu plano de ação. 

Claramente não temos isso. É difícil concorrer com países aonde tem isso traçado. A China tem, a Alemanha tem. Às vezes reclamamos aqui, quando a gente olha para os números, que estamos recebendo produto exportado da Alemanha, por que eles têm plano de ação... e você consegue ler que eles têm. 

Agora, como reverter a entrada de produto importado se você não tem um plano para isso? 

Fica muito difícil. O Sindibor pode construir um plano? Muito difícil, porque não depende dele a reforma tributária. Hoje não vejo só o Sindibor nessa situação, vejo sindicatos maiores, o Sindipeças... A gente tem que fazer uma união. Toda vez que a FIESP, a CNI e os empresários se unirem em um propósito comum para gerar força, sair à rua, colocar o pato de novo na frente da FIESP, colocar as pessoas expostas às necessidades que a gente precisa, a gente vai ter o processo revertido.  

Infelizmente não podemos colocar aqui um quadro diferente do que a estatística nos mostra.

“O Brasil precisa definir aonde ele quer chegar. É muito importante que se tenha políticas atreladas a objetivos de sociedade.”

Esse pleito citado inclui a indústria de pneumáticos, matéria-prima e alíquota de importação?

A resposta tem que ser restrita porque não representamos a indústria de pneus novos (só a dos reformados). Por exemplo, somos muito próximos em termos de entidade co-irmã e defendemos e trabalhamos pleitos em conjunto. Já fizemos isso em várias frentes e o tema obviamente é em comum. E ainda que o tema não seja necessariamente em comum, mas dada a proximidade do segmento, um apóia o pleito do outro e o último exemplo foi o retorno do imposto de importação dos pneus de carga, que está obviamente em franca defesa pela sua representante oficial que é a ANIP – e ela conta com o apoio de uma série de segmentos, entre eles o Sindibor e a Abiarb.

Vale destacar que o setor de reforma de pneus depende de ter no mercado uma carcaça boa para reformar. Se entra um pneu de baixa qualidade, quando termina a banda de rodagem é muito provável que a carcaça não vá dar reforma. E os pneus de custo baixo não têm milagre. São oriundos da Ásia – são dados oficiais, não precisamos ocultar a informação. E a consequência dessa redução do imposto de importação atinge um segmento que representamos diretamente. Porque temos muito mais carcaças de péssima qualidade no mercado, quando poderia ter um produto mais nobre. 

O curioso é que em um curto prazo quem comprou aquele pneu está pagando mais barato na comparação com um pneu mais nobre, mas no fim da linha vai sair muito mais caro, porque não vai dar recapagem e ele vai ter que comprar outro pneu novo. Enquanto ele poderia, no final do primeiro ciclo, recapar e chegar a dois, três ciclos de recapagem. 
O contrassenso que o governo acaba provocando no consumidor. Ele acha que está ajudando o caminhoneiro a economizar (naquela crise do custo do frete) e na verdade está só causando um problema maior para o caminhoneiro. Só que não agora, mais na frente. 

Benefícios de curto prazo e malefícios de médio e longo prazos?

Temos que deixar de tomar medidas populistas para tomar medidas mais técnicas de médio e longo prazos. O Brasil precisa definir aonde ele quer chegar. É muito importante que se tenha políticas atreladas a objetivos de sociedade. Por exemplo, se ele tomar rumos para a eletrificação, para o carro híbrido ou para carro a hidrogênio, isso vai ser a base futura da indústria. E também permeado por uma reforma tributária e uma política industrial que visem geração de emprego, por exemplo. Com modelos bem constituídos. Aonde quero chegar? Quero chegar a 12% a participação de meu PIB, quero chegar a 20%. Em quantos anos? Em 10 anos. E o que vou fazer para isso? E fazer a métrica. Estou atingindo? Fazer rotas de correção.

Você não tem isso. Você tem medidas populistas onde simplesmente se fala assim “eu vou fazer a reforma tributária que eu vou resolver o problema da exportação...” Não vai resolver. O que vai resolver é um plano muito grande, muito amplo. Porque você não precisa só de reforma tributária. Você precisa de mão de obra, precisa de tecnologia, precisa de inovação, tem que estar permeado de uma série muito grande de condições. O que eu vejo hoje é um tapa-buraco.

É que não se para pra pensar exatamente aonde se quer chegar. Fala-se muito em desindustrialização. Ela está acontecendo e vai piorar se não mexer. Mas a reforma tributária não é a solução para tudo.

Estamos aqui para ajudar. Não só a indústria de artefatos de borracha e reforma, mas também ajudar a dor que é comum ao empresário.

“Temos que deixar de tomar medidas populistas para tomar medidas mais técnicas de médio e longo prazos. O Brasil precisa definir aonde ele quer chegar.”

Nesse panorama, como foi o mercado de borracha no ano passado, como deve ser neste ano e nos próximos cinco anos?

O retrato que temos do mercado é dado através de métricas que vem de institutos que divulgam os números. Pelo PMI, do IBGE, frente a frente a 2022, assinalamos uma queda de 0,7%. Dentro de nossa atividade, no grupo borracha, que não há uma segregação perfeita – tem muita coisa que se confunde com termoplástico nesse agrupamento. Quando nos encaixamos nesse grupo temos um número muito ruim, uma queda de 5,7%. 

O resultado é ruim, e a tendência futura não é mercado automobilístico, com uma participação grande das empresas. Os demais dados dos setores não indicam números muito melhores...

A cadeia do setor não está ajudando?

A cadeia não está ajudando no geral para 2023. Hoje estamos ancorados em esperanças fundamentadas em reformas, especialmente na tributária, e temos uma dificuldade muito grande em geral da indústria, não só de borracha, de financiar sua produção. Os juros estão muito altos, descolados da inflação real, o que prejudica bastante. É uma situação muito adversa, tanto para o consumo – e temos que encarar de frente: temos uma inflação alta, juros altos, dificuldade de financiamento dos bens -, tanto para investir. Hoje fica mais caro e você tem que repassar isso para o preço dos produtos. A situação real é que os números deste ano não devem ser muito positivos em relação a 2022. Nossa posição é muito mais clara em relação próprio ao Sindipeças, à ANFAVEA. Estamos em linha com o mercado, não criando expectativas muito grandes.

Em relação a 2022, quando falamos 5,7%, é um dado. Artefatos de borracha e plástico juntos – é assim que a classificação do IBGE apresenta os números para nós. Outro dado oficial, que é de comércio exterior, dá um alento. Em 2022 nós ampliamos as exportações em 20%, na base de 22 em relação a 21. E houve uma queda nas importações. 

Naturalmente o Brasil tem sido considerado, como o nosso segmento, como novos fornecedores pelos players globais. Existe o desenvolvimento de novos projetos no Brasil.

Ainda não conseguimos mensurar quanto dos projetos que estão em andamento vão dar frutos positivos nos números finais. Temos indícios que as indústrias têm problemas logísticos, falta de materiais, principalmente na questão do aumento do lead time das importações, têm um inventário em trânsito. Você tem muita coisa trafegando nos navios por muito mais tempo, e isso é investimento. Muitas indústrias procuraram nacionalizar os produtos. Em contrapartida, o choque está na questão da oferta. Quando você apresenta um orçamento efetivo, ele ainda continua mais caro. Existe essa procura, existe essa necessidade pelo onshore, porém o nosso nível de preço ainda não é adequado com o importado, talvez haja uma procura maior, haja um crescimento pela necessidade logística de não pararem a linha, de manutenção de retalho. Isso vai contribuir. 

Mas a partir do momento em que, de repente, a logística melhora no exterior e os preços caem e melhora o trânsito de contêineres, a disponibilidade, o preço do frete internacional é uma ameaça bastante grande.

Vamos ter que olhar com muito carinho quem vai conseguir fechar negócio no Brasil. A sinalização positiva é que existe muito projeto. Muitas empresas têm reportado que estão trabalhando em projetos aqui no Brasil que estão saindo da gaveta e indo para uma realização, com disposição muito grande na nacionalização das peças de borracha. Em contrapartida, temos notícias de que outros, com números verdadeiros, estão importando muito. 

Dizem que querem nacionalizar, mas não nacionalizam.  E qual o fator decisivo para isso tudo? Ainda continua sendo o preço porque a questão das plataformas globais de produção prevêm isso. Que você pode produzir a peça estandardizada em qualquer país que tenha a melhor condição.

Você não concorre com o seu vizinho, concorre com o mundo?

Pior, depende da posição e o momento de cada país, da política de cada país de ter os subsídios. Você passa por momentos distintos. Hoje o grupo que a gente observa, desde China, Malásia, Estados Unidos, Tailândia, Alemanha, Itália, Japão, França, Índia, Coréia do Sul, talvez esse não seja o ambiente de país. Hoje você enxerga que é preciso ter algo muito fundamentado para concorrer com todos esses países (porque não é um, dois ou três países. Hoje você tem dez, amanhã pode ter vinte na lista). A gente se sente bastante desconfortável porque o nível de competitividade global aumentou muito.  

Interessante é que, quando os empresários são entrevistados, todos falam da importância da reforma tributária – ainda que essa discussão seja de décadas, é interessante olhar para o momento. Talvez o Brasil nunca tivesse tido essa oportunidade de fornecer prioritariamente por desabastecimento de outros mercados, em sobreposição a preço. Então você conquista esses projetos nesse momento, mas fica ameaçado de deixar de continuá-los por causa de preço. É hora do Brasil fazer a lição de casa e dar condições aos empresários de continuarem gerando emprego e renda.

E é impossível falar em reforma tributária se o governo – e aí entra a sociedade, que precisa cobrar de uma forma sobrenatural, eu diria – não fizer a reforma administrativa. Se você otimizar o custo do Estado, e o Estado falando que precisa de mais recursos, como é que ele vai entregar uma equação mais favorável? A questão é o custo Brasil. Não adianta ficar mexendo com nome para cá... ele faz você rir com a redução de um tributo aqui e ele faz você chorar com outro tributo ali. Só conseguiremos reduzir o custo Brasil se atingirmos a reforma administrativa. Do contrário, é o mercado sufocando a galinha dos ovos de ouro.

O Estado brasileiro não é um ônus. Ele é necessário para gerir os recursos. O problema é a eficiência da máquina pública, que tem que passar por um processo forte de reforma tributária, reforma administrativa e tantas outras reformas que são necessárias para que essa máquina pública se torne eficiente e não se torne algo de conforto como é hoje. Hoje a máquina pública nos custa bastante. Não há a necessidade de discutir a existência ou não dela. O que precisa ser discutida é a eficiência dos processos. Não precisamos apenas de uma reforma administrativa, que vai resolver parte, mas também uma eficiência dos processos e redução do custo da máquina pública, para que isso culmine na melhor aplicação de recursos. 

Que haja menos desvios, que haja mais eficiência, que eles entrem nos processos normais de digitalização.

A grande pergunta nos anos que se passaram: o Sindibor reformou, se adaptou à reforma trabalhista que ocorreu? Sim. Sobrevivemos nos adequando. O governo também precisa se adequar. Diminuir o tamanho da máquina pública. E temos ainda permeando tudo isso a insegurança jurídica. Quando você escolhe um país para investir você vai olhar o que tem de recursos dentro desse país. E hoje o Brasil só de obrigações acessórias vinculantes ao sistema tributário é imenso. Temos que tratar também das obrigações judiciais que estão junto com a reforma tributária.

Temos um sistema contábil que nos custa milhares de horas preenchendo obrigações acessórias e correndo o risco de sermos penalizados pela própria informação que se gera para o governo. Isso não faz o menor sentido para qualquer estrangeiro – e para nós também não tem que fazer sentido. Não temos que ter insegurança jurídica.

Uma outra situação ocorre com o pneu importado. Muitas vezes a gente tem que mencionar que a própria multinacional que produz pneu aqui também produz pneu lá fora. Qual é o sentido disso? Muitas vezes você vai falar com o fabricante aqui e ele fala que não entende o que o governo está fazendo. Alguns falam “tá bom, não vou produzir no Brasil, vou produzir lá fora e trazer pra cá com alíquota zero”. É um tiro no pé de novo...

Aqui temos um dado muito importante da CNI. A indústria de transformação hoje só representa 12% do PIB. Já representou mais de 20%. Cada real produzido na indústria, gera na economia dois reais e setenta centavos...

Esse é um número superimportante porque vemos que essa conta não é feita só pelo Brasil, é feita por outros países também. Se quer mexer no seu PIB, tem que fortalecer a indústria. A mecânica é essa. Mas é necessário ter política, tem que traçar metas de médio e longo prazos. Tem que reverter essa queda. Como reverter? Simplesmente torcendo para que os ventos mudem a seu favor? Não vão mudar. É ter pessoas competentes nas áreas traçando planos. Não podemos correr o risco de ter planos sem sustentação, sem fundamentação que não irão levar a lugar algum. A questão do populismo, das palavras ao vento, não vai dar resultado.

“Não precisamos apenas de uma reforma administrativa, que vai resolver parte, mas também uma eficiência dos processos e redução do custo da máquina pública, para que isso culmine na melhor aplicação de recursos.”

Ter política industrial e não partidária seria uma solução?

E acabamos tocando na ferida porque quando perguntamos qual é a política industrial do país para reverter essa situação, não se pode falar que nossa política industrial é a reforma tributária. Não é verdade. Ela é parte de algo importante, mas ela não é a solução. Não é a solução para a rota do hidrogênio, do etanol, do carro híbrido.Ela não é a rota para isso. Outros complementos que são necessários a uma política industrial que deveríamos todos traçar juntos. 

Não somos convidados hoje pelo governo nem o governo se reúne para traçar em conjunto uma rota em comum. É a mesma coisa quando procuramos um emprego para trabalhar e não sabemos o propósito da empresa. Ou não sabemos a atividade do dia-a-dia. Trabalhamos muitas vezes no Brasil com empresários fazendo o dia-a-dia, atendendo demandas pontuais.

Os juros no Brasil estão muito altos? 

Sou muito a favor da independência do Banco Central. O caminho é deixar algo inerente à competência de quem está gerindo essas políticas alinhadas às políticas do país. Temos metas de inflação, e enquanto essas metas estiverem no centro, o Banco Central tem que aplicar as regras para atingir essa medida. Claro que há um descolamento muito grande do juro real em relação ao que o Banco Central tem colocado. Mas é o preço para controlar a inflação dentro da meta estabelecida.  Então não há discussão de que a política aplicada pelo Banco Central é a correta. Não vamos discutir sobre isso, e sim sobre outras medidas de auxílio de investimento dos fomentos existentes. Há uma carência bastante grande na utilização dos recursos das leis já existentes. Às vezes comentamos da lei Rouanet, que ela existe, existe a Lei do Bem, existe o Inovar-Auto, existe o Rota 2030. Por que não utilizar esses recursos e não ficar só reclamando dos juros altos? Acho que se existe juro alto no Brasil, existe o risco protegido pelo hatch. 

Você vai no tradicional ou vai na proteção de risco? Não colocar todos os ovos na mesma cesta. Porque há a disponibilidade internacional de recursos, investimento, atrelados a outras moedas e com juros muito menores. As empresas poderiam colocar um portfólio variado de análise de investimento. E utilizar mais os recursos do que ficar só reclamando dos juros que o Banco Central está colocando para atingir a meta. Esse é o meu ponto de vista. Continuo colocando bastante ênfase na política do Banco Central, está correta para atingir a faixa. 

Os juros podem baixar no curto prazo?

Não faz sentido hoje você estar com uma inflação de 7, 8% – e já atingiu 11% – e ter uma banda de 5,5%, no máximo 6%. É mais fácil você realinhar a realidade do mundo aonde os EUA permeiam por 8%, 9%, a Inglaterra também e eles vão sinalizar muito forte nesse ano porque a política deles está funcionando, reduzindo esses juros. Só que o nosso grande questionamento para com eles é no sentido do porquê deles terem juros de financiamento negativo em relação à inflação. Ou seja, hoje a disponibilidade de juros para o investimento na produção é muito menor que a inflação. Aqui é ao contrário.

Como ficam os investimentos?

Mas aí as políticas que permeiam são outras. No geral isso dificulta toda a indústria, dificulta o comércio, dificulta o consumo. Influencia seu nível de confiança em relação ao futuro, em relação às políticas. Eu tenho muita confiança de que, se o Banco Central continuar autônomo dentro desta equação, ele vai continuar trabalhando para atingir as metas e é juro alto. 

A questão do Brasil em relação ao empresariado é que ele tem que procurar outros vários meios. O problema é que vemos um círculo vicioso de insegurança jurídica e débitos. Hoje grande parte da população e da indústria vem sobrevivendo artificialmente. São pacientes internados na UTI. O capital de giro para as empresas está cada vez mais difícil, dado o que vem acontecendo, com ganhos na justiça tramitado e julgado; o Supremo Tribunal entra, faz o corte, tira os tubos de ar e a empresa fica ofegante. A insegurança jurídica realmente complica. 

“É hora do Brasil fazer a lição de casa e dar condições aos empresários de continuarem gerando emprego e renda.”

Como está a formação de mão de obra na indústria de borracha? 

Quanto à formação de mão-de-obra, o Sindibor faz algumas colaborações. Fomentamos bastante os associados do setor sobre a necessidade de formação de mão de obra, seja ela genérica, administrativa, ou seja ela mais específica e técnica. Temos trabalhado muito junto ao SENAI. 

Divulgamos todos os cursos do SENAI, divulgamos todos os correlatos que têm afins para atividade do setor. Temos situações de formação desde auxílio de formulação, formação de cilindrista, operador de injetora, tudo isso é disposto para os associados, no intuito que ele prepare a mão de obra para trabalhar no setor.

E qual é a receptividade?

Infelizmente, muito baixa. O que parece ser um modus operandi da indústria brasileira de artefatos é dar continuidade ao sistema de operação atual. O ensinamento é feito na própria indústria e não se procura algo mais competente. E aí acabamos tendo o descolamento de alguém que tem essa competência para fazer o treinamento e ensinamento, onde ele contempla norma de segurança de operação, que acaba não entrando nas indústrias. Julgam esse preparo como despesa e não como investimento. 

Enquanto as empresas ainda enxergarem como despesa, isso será um grande impeditivo. Por quê? Você precisa trocar mão de obra. Precisa dar tempo a ela. Vai justamente na contra-mão. Você pensa: qual a prioridade que eu tomo em relação ao preparo da mão de obra para minha indústria? É baixa.

Nosso nível de adesão às inscrições para os cursos, por incrível que pareça, às vezes é zero. Não temos formação de grupos de estudo. E que incentivo nós temos junto às entidades que promovem isso? Zero também. Porque se você não tem participação, não faz a roda girar.  

Quanto ao preparo de mão de obra, temos feito muita força aqui, entendemos e apontamos essa necessidade, porém a procura é muito baixa. 

O problema de mão de obra é exclusividade do Brasil, onde o setor não atrai tanto os jovens para esse tipo de indústria?

O que podemos dizer é que competimos com outros setores da indústria. Claro que o jovem tem uma visão da facilidade nas operações. Se ele for para a indústria farmacêutica ou alimentícia, que ganharam tons de automação e limpeza muito grandes, quando ele vai para a indústria de borracha e vê um trabalho mais bruto, ele dá preferência a outro tipo de atividade que é mais coerente com algo que seja menos ofensivo para a saúde. Por isso que é importante que a indústria de artefatos de borracha também passe por transformação de modernização, pois em breve ela não terá condições de abrigar novos funcionários. O candidato trabalhará três dias, falará que é horrível e irá embora trabalhar em outro lugar (supermercado, empresa de logística), que é mais limpo, clean, mais adequado à sociedade nos dias de hoje. Por isso, a indústria de borracha precisa passar por uma transformação.

Como fazer isso?

Só mudando a cabeça do empresário, que tem que entender que o preparo é um investimento, e não uma despesa. O RH das empresas tem isso focado e vem trabalhando insistentemente com investimento em educação, treinamento, para que haja um progresso nessas ocupações que estão abertas na indústria de borracha. Caso você não consiga ter formação externa, mandatoriamente as grandes e médias empresas vão fazer esse serviço internamente.

Vemos que o nível de formação é muito baixo. E isso traz consequências graves. Na qualidade do produto que você fabrica, na segurança do trabalho, você tem problemas diversos correlatos à formação. Grandes empresas foram forçadas a terem cursos de formação – e as pequenas ficaram totalmente na contra-mão.   

Isso vai causando uma erosão no sistema das empresas. E temos como consequência o mercado sem técnicos, baixo interesse, uma baixa formação nas universidades. São consequências tão danosas que se você não investir na infra-estrutura, na educação, na formação de técnicos, as associações vão morrer.  E, como consequência, nós também vamos sofrer, pois se não tivermos indústria nacional, qual a nossa razão de existir?

Na verdade, todos esses números acabam afetando a todos. Não podemos só reclamar do governo, a indústria tem que também cumprir sua missão. Temos que fazer uma indústria mais forte, mas não está fácil.

“Não podemos só reclamar do governo, a indústria tem que também cumprir sua missão.”

Em vista disso tudo, com digitalização e eletrificação, a borracha perderá espaço para outros materiais ou terá garantido o seu lugar no futuro?

Temos uma aplicação de borracha muito específica que é um material com suas características únicas e dificilmente será substituída. Temos como concorrência natural os termoplásticos e os plásticos de engenharia. Esses sempre serão nossos concorrentes. Essa é uma situação que está aí, o mundo vem se modificando, os materiais vêm se modificando constantemente, não existe mais uma garantia de durabilidade maior por um tempo maior. Um estudo de Harvard feito por um grupo de inovação tecnológica aplicada a artefatos de borracha, mostrou que a borracha é um dos produtos que tem maior duração de vida. Um exemplo: o pneu. Está na formatação atual há mais de cem anos. Hoje não tem câmara, teve inovação, mas é um produto que está aí.  Em contra-partida, há produtos lançados no mercado que não duram três meses. Se fizer um comparativo entre lançamento de produtos que exigem bastante inovação, a borracha ainda é um produto de difícil substituição.

Isso está em um artigo de Harvard, onde são colocados quatro grandes grupos de produtos que são lançamentos de inovação tecnológica, tipo softwares (que duram dois, três meses), apps (são lançados, caem no gosto, depois rapidamente somem).

Quanto à borracha, quando você lança uma luva de borracha, quantos anos dura? Pneus, quantos anos? Correia, quantos anos? São produtos difíceis de serem substituídos.
Então eu enxergo que a competitividade para o produto borracha em certas aplicações em relação às alternativas, ainda permanecerá por um longo prazo. 

O efeito da eletrificação é consequência da mudança de produto. Você está transformando o automóvel e mudando a necessidade. Não é consequência de uma inovação na peça, mas inovação no automóvel. Para o automóvel a hidrogênio serão necessárias novas peças de borracha. Para o veículo elétrico, outra configuração, e para o veículo híbrido, outra configuração. 

Os efeitos que podem acontecer serão da natureza da aplicação. Se eu faço a natureza de aplicação de um produto que vai correia, nessa nova geração de produtos a borracha vai de carona. Você não tem uma substituição efetiva de um material da correia, do material do pneu, do material do solado – embora este já recebeu algumas inovações.

Eu vejo assim: uma transição muito lenta até que surja um material revolucionário. Hoje caminhamos na direção dos materiais renováveis e recicláveis. Os roadmaps estão muito fortes. Acordos como o de Paris são muito claros: precisamos reduzir a temperatura do planeta em um ou dois graus nos próximos cinquenta anos. Temos que fazer alguma coisa para que as próximas gerações não sofram consequências trágicas. E para isso todo mundo vai à procura de materiais recicláveis e renováveis.

Daí os biomateriais dão o tom do mercado: borracha natural, sequestro de carbono em relação à borracha natural, o etanol gerando etileno, butadieno. A tendência muito forte é que façamos produtos para a composição da borracha que venham de fontes renováveis. Óleo de soja oxidado, sílica de casca de arroz... esses são os roadmaps básicos das indústrias de pneus que estão liderando os processos que têm como alvo atingir 100%, dependendo da empresa, de 2035 a 2050. A indústria pneumática é o carro-chefe para puxar a indústria de artefatos de borracha no caminho do ESG. Ela vai ser o exemplo. Hoje ela traz o grande desequilíbrio do consumo, ou seja, se ela passar a consumir polibutadieno feito do etanol, toda a cadeia de artefatos de borracha vai seguir, porque ela comanda o grande equilíbrio da produção. E assim segue o SBR, seguem as demais borrachas de grande aplicação em pneumáticos.

Claro que vamos ficar na carona ou no resíduo de alguns produtos. Como o negro de fumo de pirólise do próprio pneu, que vai gerar o subproduto óleo. Para o negro de fumo derivado de pirólise já existe até norma STM para ele, esses contratos são fechados primariamente com pneumáticas. Nós só vamos ter sobras na linha de artefatos de borracha, porque somos os últimos na corrida em ESG.

A devulcanização de borracha é viável?

Acredito que sim. Essa é outra frente. Há vários estudos feitos a cada ano. Vemos isso mais fora do Brasil. Infelizmente aqui ainda não temos tecnologia conhecida para isso. O pessoal no exterior está evoluindo em tecnologias muito próximas do reaproveitamento. Isso porque há uma abertura muito grande, mandatória, dos utilitários. O que era rejeição por preço, passou a ser uma questão de obrigação. Antigamente eu não usava borracha reciclada ou recuperada porque o custo dela era igual à borracha virgem. Hoje não. Hoje é mandatório que na apresentação de um projeto você tem que usar. Então você muda totalmente o escopo. Há um aumento no mercado de borrachas recicladas, regeneradas, com ótimas características, para serem utilizadas em um percentual interessante em um produto novo. 

“A indústria pneumática é o carro-chefe para puxar a indústria de artefatos de borracha no caminho do ESG.”